DICAS DE GESTÃO

Não misturar as finanças pessoais com as profissionais pode ajudar no crescimento.

Saber se o seu negócio está indo bem ou mal é fundamental para o planejamento de ações, para o estabelecimento de objetivos, mas nem todas as empresas distinguem com perfeição as finanças da empresa com as das finanças pessoais.

Para cada dez novas empresas, seis fecham suas portas no Brasil.  Os dados são do Cadastro Central de Empresas 2002, disponibilizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em 2002 surgiram 721 mil empresas, um número surpreendente, porém 461 mil foram extintas, sendo 12,5% microempresas que empregam até 4 pessoas. O comércio foi o setor que mais registrou mortalidade.  Além disso, o SEBRAE escutou 5.727 empresas que fecharam as portas e 8 em cada 10 atribuíram tal fato a problemas econômicos e financeiros em geral, incluindo o aspecto de finanças pessoais e empresariais se misturarem prejudicando o negócio.

Se você é dono de uma empresa ou mesmo funcionário responsável pelas finanças da firma em que trabalha, saiba que, confundir as despesas que são da operação da empresa com despesas pessoais dos sócios cria uma nuvem de fumaça que dificulta entender o que está acontecendo na companhia, complica gravemente a formação de custo e gera uma série de desconfortos entre sócios, podendo até mesmo comprometer a sociedade.

Para se compreender bem este conceito é importante que você entenda a distinção de Pró-labore e Distribuição de Lucros, pois o primeiro tem a ver com o lado trabalhador dos donos.  A maioria dos donos de empresas trabalham nas respectivas organizações de que são proprietários, e portanto merecem um salário, um Pró-labore, que nada tem a ver com o que retiram da firma. O Pró-labore deve ser compatível com o salário de um funcionário para desempenhar a mesma função deste proprietário.  Ou seja, se o dono não quisesse trabalhar e contratasse alguém para a função que exerce teria que pagar um salário para este profissional: este deverá ser o Pró-labore.  É bom lembrar que o Pró-labore deverá estar computado no custo da empresa, pois é um profissional que trabalha para a organização.   Outra coisa são as retiradas de distribuição de lucros feitas em função da empresa ter resultados para isso.

Como executivo e fundador da Alterdata Software, tendo experiência de cerca de 30 anos na construção de sistemas de gestão empresarial, vejo situações interessantes de empresas que aparentemente estão quebradas, mas que, na verdade, são viáveis se os sócios compreenderem esta distinção entre Pró-labore e Lucro.  Ou ainda empresários que acreditam que suas empresas não lhes pagam o que devem, mas fazem a empresa pagar despesas que não são da companhia, criando assim problemas estruturais.

Conheço um caso de uma média empresa onde o proprietário retirava cerca de R$ 20 mil reais mensais e ainda colocava a empresa para pagar o Colégio Filhos, o Clube de Piscina que freqüentava, contas de energia, água e condomínio do prédio em que morava, e na hora de calcular os custos dos produtos rateava todas estas despesas fazendo com que os preços ficassem altos demais, perdendo assim competitividade com os concorrentes.  Eles não conseguiam compreender porque os concorrentes tinham preços menores. A forma de fazê-lo compreender que havia algo errado foi deixar claro que, se ele contratasse um funcionário para fazer a mesma função que exercia, pagaria ele todas as despesas deste profissional como fazia consigo mesmo?  Sua resposta foi negativa. Ponderei então que ele deveria se demitir e contratar alguém para fazer a mesma função, pois ficaria muito mais barato para a empresa.

Depois de algumas conversas com este empresário chegamos juntos à conclusão de que um profissional para fazer a função que ele exercia deveria ganhar R$ 8 mil reais mensais, e que este era o número ideal para ser o Pró-labore.  Outro elemento que ele entendeu com certa dificuldade foi que as contas pessoais poderiam ser levadas para a empresa pagar, desde que ele entendesse que estaria utilizando a empresa apenas como boy para efetuar o pagamento bancário, ou seja, estas contas continuariam a serem pagas pelo Pró-labore.  Isso quer dizer que se o Pró-labore é de R$8 mil reais e ele levou contas pessoais no total de R$ 1 mil reais, a empresa deveria depositar apenas R$ 7 mil na conta bancária do sócio, pois R$ 1 mil foram pagos em despesas pessoais.  É importante que estas despesas pessoais estejam lançadas no caixa da empresa como Pró-labore e não como Conta de Água, por exemplo, para não ser confundida com as respectivas despesas de água da empresa.

Outro elemento é a Distribuição de Lucros, pois uma vez definido, no exemplo acima, que o Pró-labore ideal seria R$ 8 mil reais, o empresário percebeu melhor o que era o limite da empresa, ficando mais fácil perceber quando seria possível fazer retiradas de lucro nos meses em que a empresa tivesse lastro para tal, e não fazer estas retiradas todos os meses sem saber se era possível.

Depois de entender este conceito ficará mais fácil compreender a situação de uma empresa com dois sócios onde apenas um deles trabalha diretamente na empresa e o outro é um sócio capitalista.   Este sócio capitalista, que não trabalha diretamente não deve ter Pró-labore, pois Pró-labore é para quem labora, trabalha, e consequentemente está no custo da companhia.  O sócio capitalista estará retirando dinheiro através da Distribuição de Lucros de acordo com sua participação na sociedade, e nos meses que for possível. Isso quer dizer que não necessariamente haverá valores a serem retirados por este sócio, uma vez que estamos falando de dividendos.

Em determinada situação, pode também haver Pró-labores distintos para sócios com partes iguais na empresa.  Pois é possível que um dos sócios tenha uma especialização em algo que tenha muito mais valor em relação ao outro sócio, de tal forma que se fossem contratar dois funcionários para executar as respectivas funções dos sócios se pagariam valores completamente diferentes aos mesmos.  Neste caso os sócios teriam Pró-labores diferentes e Distribuições de Lucro idênticas, uma vez que na sociedade possuem cotas semelhantes.  Imagine o exemplo de dois sócios, um médico e outro enfermeiro, ambos recém formados que montam uma clínica com 50% na sociedade para cada um.  Ambos vão envelhecendo, o médico fazendo inúmeros cursos e se transformando num cirurgião plástico e o enfermeiro continuando na mesma habilidade que tinha no início da sociedade.  Neste caso o sócio médico cirurgião deveria ganhar um Pró-labore maior do que o sócio enfermeiro, pois certamente se a clínica fosse contratar profissionais para substituir os sócios, naturalmente lhes pagaria valores distintos. Porém, depois de apurado o lucro mensal, os sócios fariam retiradas idênticas, uma vez que são sócios de partes iguais.

Desta forma, fica claro que se trata de coisas distintas mas igualmente importantes.  É fundamental que os sócios entendam que a empresa lhes paga baseados no resultado auferido, e para que este resultado seja calculado corretamente é importante que as retiradas sejam classificadas corretamente.  Muitas empresas quebram por má gestão financeira, e a essência pode estar nesta confusão elementar entre Pró-Labore e Lucro.

Para melhor materializar segue abaixo um “case” para reflexão: “O objeto deste estudo é uma empresa do ramo de móveis, mais precisamente fabricação de estofados.  A empresa era familiar, quadro societário composto por três irmãos.  Atuava no mercado já havia trinta e cinco anos, e era considerada bem-sucedida.  Seu portfólio de clientes era composto de grandes redes nacionais de varejo. Durante o período de inflação alta, tudo ia bem, os aumentos nos custos eram compensados pelos aumentos nos preços de vendas.  O despreparo administrativo e gerencial era encoberto pelos ganhos com as altas taxas de inflação, que provocavam majoração diária de preços.  Aí veio o Plano Real.  A forma de administração anteriormente praticada não mudou.  Os dirigentes continuaram a retirar o Pró-Labore que “NECESSITAVAM”, e, um pouco mais, por conta dos prováveis “lucros”: a reforma e ampliação da casa eram prementes, continuavam a trocar o carro particular pelo do modelo do ano…  Os investimentos eram feitos sem estudo prévio, sem planejamento.  A Receita, agora real, não era mais suficiente para o cumprimento das obrigações geradas pela atividade.  Partiram então, em busca de capital de giro, junto a bancos, instituições de crédito e particulares, para cobrir os custos de produção, pagamentos de fornecedores e, naturalmente as retiradas mensais dos sócios.  Pouco tempo se passou, as contas começaram a serem pagas com atraso, pois não havia recursos suficientes, nem para as despesas operacionais, e muito menos para o reembolso dos empréstimos contraídos.  Os atrasos gerando juros e multa, não havia mais dinheiro suficiente, então os impostos e contribuições sociais também deixaram de serem pagos, por um, dois e três anos.  Na tentativa desesperada de sobreviver, as vendas feitas pela empresa era fechadas pelo preço determinado pelo cliente, mesmo após tentativas frustradas de aplicar a nova tabela de preços.  A justificativa para tais negócios era de que se não houvesse vendas e o mercado fosse perdido, seria pior, “era impossível parar”. Existiam os funcionários (em torno de 100) e suas famílias que dependiam do salário para viver, havia os sócios que dependiam da empresa, e não só financeiramente, pois além de não terem nenhuma reserva financeira, não tinham nenhum diploma, e trabalhar na empresa era só o que sabiam fazer.  As dívidas cresciam assustadoramente, agora engordadas pela inadimplência, pelos juros e pelo prejuízo da atividade.   Não havia mais crédito.  Os fornecedores (apenas alguns considerados essenciais) só entregavam os insumos necessários à produção com pagamento antecipado e com pagamento percentual do parcelamento já acordado, da dívida acumulada até então.  Era o caos.  Os funcionários que já estavam com salários atrasados, começaram a ficar sem receber.  A alternativa foi faturar os pedidos de vendas, antes mesmo de serem produzidos, utilizando os títulos de crédito (duplicatas) gerado com prazo de vencimento superior ao acordado com os clientes (para dar tempo de produzir e entregar) antecipando o recebimento dos escassos recursos, com desconto junto a agiotas, único meio de gerar caixa nessa fase.  Era o fim.  O dinheiro teve que ser dividido entre funcionários, sócios e despesas essenciais, como a conta de luz (o fornecimento estava prestes a ser cortado por falta de pagamento), e não sobrou nenhum recurso para pagar a matéria-prima necessária à produção dos estofados já faturados, cujo título de crédito indevidamente emitido, que deu origem a esse mesmo dinheiro, havia sido vendido a terceiros.  Veio a falência.  O desaparecimento da empresa provocou não só danos materiais, mas também danos sociais: assim como as famílias perderam seu sustento, os antigos funcionários aumentaram a fila do desemprego, ocasionando oscilação negativa na pequena economia local pela falta de consumo.  Os sócios perderam tudo o que construíram ao longo dos trinta e cinco anos de vida da empresa.  Todos os bens de propriedade da empresa, tais como imóveis e veículos foram considerados indisponíveis e leiloados para pagamento de reclamatórias trabalhistas e parte de débitos com a União.  Aos sócios coube o título de “falidos” e literalmente é o que são, com todas as suas consequências e restrições que irão perdurar até a subscrição, uma vez que não existe a mínima possibilidade de pagamento dos débitos com recursos pessoais, pois nada de material lhes sobrou, a não ser mais dívidas pessoais, e, quanto à empresa, foi mais uma que morreu.”

O centro deste “case” estava nos sócios confundirem as necessidades pessoais como sendo obrigação da empresa suprir, sem ter nenhum planejamento quanto a se a empresa tinha condições de suprir tais retiradas.  O fato de confundirem Fluxo de Caixa com lucros os fazia retirar mais dinheiro do que a empresa tinha capacidade de suportar, não sobrando recursos para novos investimentos, inovações, novos métodos de trabalho, incorrendo assim num erro grave de gestão financeira.

Para concluir lembre-se que a empresa é uma coisa completamente diferente dos sócios.  O mundo ideal é a empresa ser mais rica do que os sócios, ter mais dinheiro do que os sócios, ter mais investimentos do que os sócios, pois, visto que esta ganha dinheiro enquanto o sócio gasta dinheiro, a empresa é um centro de receita e o sócio um centro de despesa, não tendo nada a ver uma coisa com a outra: o fato da empresa ter muito dinheiro em caixa não quer dizer que o sócio pode ficar trocando de carro pessoal o tempo inteiro.  A empresa pode dar, matematicamente, Pró-Labore e Lucro para os sócios na medida da eficiência da mesma, e não o contrário: não é o padrão que os sócios querem ter que precisa necessariamente ser suprido pela empresa.

Pense, reflita, e tome as melhores decisões !!!

Ladmir Carvalho – Diretor Executivo – Alterdata Software – 10/11/2013



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